Photo by: Theo Van De Sande

Biografia

A escritora Ana Miranda nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1951, vivendo sua primeira infância na Praia de Iracema. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos cinco anos de idade, já alfabetizada. Em 1959 foi para Brasília ao encontro do pai, engenheiro agrônomo que trabalhava na construção da cidade. Em Brasília experimentou modernas propostas educacionais formuladas por Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira. Estudou em escolas Classe, Parque, e no Rosário.

Desde criança, Miranda escreveu poesias, cadernos de sonhos, diários ficcionais, e desenhou. Aos doze anos montou um painel com desenhos de “flores de outros planetas”. Aos treze anos leu pela primeira vez um romance, O idiota, de Dostoievski. E decorava poemas de Maiakovski. Estudou francês, inglês e italiano; assim como cerâmica, xilogravura, entre outras expressões artísticas. Seu segundo grau sucedeu-se no campus universitário, no Centro Integrado de Ensino Médio, CIEM, na mesma classe de Milton Hatoum. E Miranda frequentou o Instituto Central de Artes da UnB, embora classificada para o curso de Letras na mesma universidade. Mergulhava nos livros, buscados em bibliotecas pessoais, das escolas e da universidade. Encontrava orientação cultural junto a professores e artistas (Athos Bulcão, Cydno da Silveira, Luiz Áquila, Gastão Manoel Henrique, Flávio Mota, Edgar Duvivier, Fábio Magalhães e outros), e na revista Senhor, que publicava parte da melhor produção literária e artística da época, como contos de Guimarães Rosa, Clarice, ou xilogravuras de Gilvan Samico.

Em 1969, Miranda voltou para o Rio, a fim de prosseguir em seus estudos. Cursou o Centro de Artes de Ivan Serpa e Bruno Tausz, e a Escola de Artes Visuais, do Parque Lage. Estudou desenho com artistas, como Rubens Gerschman e Roberto Magalhães. Este, ao examinar pela primeira vez os trabalhos de Miranda, observou: “São literários...”. Enquanto não conseguia se profissionalizar como desenhista, ou escritora, suas verdadeiras aptidões, e casada com o mergulhador e ator Arduino Colasanti, trabalhou em cinema, atuando em filmes como A faca e o rio, adaptado do livro de Odylo Costa Filho, dirigido pelo cineasta holandês Georges Sluizer; e Padre Cícero, de Helder Martins. Seu filho nasceu em 1973. Dirigiu por sete anos a editora e o Instituto de Artes, da Fundação Nacional de Arte, FUNARTE.

Publicou seus primeiros dois livros, de poesia, por pressão de amigos. “Eu não queria publicar, os poemas eram imaturos, insatisfatórios, mas aquilo  me fez bem, deu-me um sentimento de realização.”

Em prosa de ficção, foi orientada pelo escritor e mestre do conto brasileiro, Rubem Fonseca, por cerca de nove anos, optando, no entanto, pelo romance de ressurgimento da história literária. Durante cerca de dez anos dedicou-se à aprendizagem e à escrita de um romance, a partir de um sonho passado em tempos coloniais. O resultado foi seu primeiro romance, Boca do Inferno, cujos personagens centrais são o poeta Gregório de Matos e o jesuíta Antonio Vieira, no auge do barroco brasileiro. O romance foi publicado pela prestigiosa editora, Companhia das Letras (na qual a autora permanece já por três décadas), e obteve intensa repercussão no Brasil e no exterior, tendo sido matéria de capa de suplementos literários ou culturais. O livro foi saudado como o iniciador do novo romance histórico brasileiro. O fenômeno de Boca do Inferno lançou-a no panteão dos autores nacionais, dando-lhe a certeza de que havia encontrado sua verdadeira vocação: romancista. Esse romance antecipa a linha central de trabalho de Miranda, voltada para um brasilianismo intenso e amoroso, dialogando com obras e autores do nosso tesouro literário, participando de uma vertente universal, com Marguerite Yourcenar, ou José Saramago. Boca do Inferno foi publicado em cerca de vinte traduções.
Eu gostava mesmo era do trabalho com as palavras. Queria apenas ficar em casa, lendo e escrevendo. E partiu para o segundo romance, O retrato do rei, passado na Idade do Ouro do Brasil. Como no livro anterior, obedece à construção do romance clássico: narrador onisciente, linearidade cronológica na trama, quatro discursos narrativos (descrição, diálogos, ação e reflexão), para descrever a Guerra dos Emboabas, em Minas Gerais. Em seguida, Miranda escreveu um romance sobre o poeta Augusto dos Anjos, que tem como cenário o Rio de Janeiro da Belle Époque, intitulado A última quimera. Aqui, experimenta a não linearidade do tempo, e a narrativa em primeira pessoa de um narrador masculino. Trabalha com as linguagens do parnasianismo, simbolismo e a original fonte literária que representa a obra augustiana. Em todos os seus romances, e cada vez mais, a poesia está presente, não apenas nos personagens e temas, mas na própria concepção linguística e gestáltica.

 

Desmundo, uma recriação da linguagem do século 16, romance narrado por Oribela, sobre o destino de órfãs mandadas de Portugal para formarem nossas primeiras famílias coloniais, marca o início de uma nova fase da autora, voltada para a linguagem livre e experimental, e narrativas na primeira pessoa de uma voz feminina. “Foi um grande passo, no sentido interno; encontrei minha expressão pessoal, sem perder a experiência anterior. E, pela primeira vez, meus desenhos participam de minha literatura.”

Sucederam-se os livros: a novela Clarice, em que Clarice Lispector é personagem, com sua fabulosa abstração; o romance Amrik, narrado por Amina, no fim do século 19, sobre imigrantes libaneses em São Paulo, trabalhando a literatura levantina; o primeiro livro de contos da autora, intitulado Noturnos; uma coletânea de poesias de amor conventual, Que seja em segredo; um diário de sonhos, Caderno de sonhos, escrito quando a autora tinha 21 anos de idade; o romance Dias & Dias, narrado por Feliciana, de forma clara e simples, reproduzindo a linguagem do romantismo, em que Miranda recorda mais uma vez a vida de um de nossos poetas, Gonçalves Dias, a partir da “Canção do exílio”; uma reunião de crônicas escritas para a revista Caros amigos, no volume intitulado Deus-dará; poesia, no livro Prece a uma aldeia perdida, no qual é abordada uma questão muito cara à autora, que percorre toda a sua obra como o motivo principal: o exílio. O sentimento de infância perdida, que floresceu com esse livro, levou a autora a retornar à sua terra natal, após cinco décadas residindo fora.

O romance, Yuxin, alma, revela Ana Miranda num de seus mais ousados momentos, em que a narradora, Yarina, é uma indígena, em meio à natureza e culturas amazônicas. Mas o romance transcende esse universo, criando uma mitologia moderna tecida pela trama da biodiversidade, que dá voz a elementos da natureza. É a narrativa de uma odisseia, em que a protagonista é, ao mesmo tempo, a que espera, e aquela que parte em direção ao mundo desconhecido. Intensamente musical, o livro contém o disco Yuxin, de autoria de sua irmã Marlui Miranda, com leituras de capítulos e músicas compostas sobre temas do romance. E finalmente, em seu mais recente romance, Semíramis, e estimulada por Rachel de Queiroz, Ana Miranda chega literariamente ao Ceará, ao criar uma ficção que acompanha a vida de José de Alencar.

Ana Miranda escreve artigos para jornais ou revistas, além de atuar em preparação de originais, pesquisa e organização de publicações, tendo trabalhado sobre obras de Otto Lara Resende e Vinicius de Morais. Colaborou durante duas décadas com a revista Caros amigos, e escreveu crônicas no Correio Braziliense, relatando sua experiência como testemunha da construção da capital brasileira. Escreveu crônicas no jornal O Povo, em Fortaleza, ocasião para realizar um memorial de conhecimentos sobre a história de sua cidade natal e de sua própria história. Atualmente escreve sobre comportamento no Diário do Nordeste, todos os domingos.

A obra da escritora, voltada para linguagem e imaginação, realiza um trabalho de redescoberta e paixão pelo tesouro literário brasileiro. Numa época em que as culturas delicadas são ameaçadas pela força de uma cultura universal, a obra de Miranda reforça os traços do rosto de nossa Nação. Fundada em séria e vasta pesquisa histórica, recria épocas e situações que se referem à nossa história literária, mas, primordialmente, dá vida a linguagens perdidas. Essa obra tem sido matéria de estudos por parte de professores, críticos, mestres, doutores, recebendo monografias e teses, geralmente ligadas a questões de literatura & história, barroco brasileiro, romantismo, ou pós-modernidade. Tendo recebido alguns prêmios, como Jabutis, ou da Academia Brasileira de Letras, e conquistado expressivo número de leitores, consagrou-se igualmente pela inclusão de Boca do Inferno no cânon dos cem maiores romances em língua portuguesa do século 20, elaborado por estudiosos da literatura, brasileiros e portugueses. Recebeu a comenda de Mérito Cultural do Governo Brasileiro; e em 2018 o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, UFC.

Ana Miranda vive no Ceará, inspirada pelas paisagens de sua infância: jangadas, rendeiras, coqueiros, e o mar.